Se vocês me perguntarem por que eu rio com um texto, fica muito difícil responder. Lembro-me que, quando o Tom Jobim morreu, eu entrei em profunda depressão, até porque minha mulher se encontrava nos Estados Unidos e eu senti muita falta daquela fiel interlocutora de vida partilhada há tantos anos. Aí, minha filha Isabel, entrou e meu quarto e me estendeu um pequeno texto do Luis Fernando Veríssimo. E lá estava:
- Invadiram a Chechênia!
- De quem?
Eu passei a rir sem conseguir me controlar e essa piada simples salvou meu dia e quem sabe a minha vida. Em outro momento, eu passava mal na sala de espera de um consultório médico. Havia uma antiga Veja na mesa de centro. Abri num cartum do Millôr Fernandes em que dois cegos passavam diante de um incêndio, e um deles comentava:
- Esse deve ser o dia mais quente do ano.
São coisas assim, inesperadas, que viram o estado de espírito do leitor, subitamente, da depressão ao riso. Por isso, tornam-se indispensáveis.
Um texto que, não sei explicar a razão, me leva até hoje às gargalhadas é o que fala de um antigo atacante chileno, Ivan “Bam-Bam” Zamorano. Espero que vocês também curtam. Saiu, há um tempão, no Estado de São Paulo.
Zamorano assaltado no Leblon
Fernan “Bam-Bam” Zamorano, que se dizia primo afastado do grande artilheiro chileno, também era bom de mira: estava envolvido em vários negócios escusos, do tráfico de armas originário da Flórida à lavagem (muito, muito mais branca que a venda da Rolls Royce) excretada pelo banco dos Pintos, passando por parabólicas virtuais e chips contra ETs, cujo cliente era o Projétil Sivam. Barrigudinho, com um bigode meio mexicano de melodrama pré-Viagra e peruca regada a minoxidil, hasta que decidan regressar, Fernan, sem favor algum, parecia um sócio e um sósia, menos queimado, do arquivo P.C. Farias. Aguardava o jogo, distraído, com um sorriso falso. Gostaria de estar com a caliente Dolores, amante, secretária, fantasma e laranja ocasionais. A sogra de camisa do Chile recordava, pelo quepe e pelo estrabismo, um coronel torturador que conhecera
A galera adentrou o carpete, no luxuoso apê do pretenso primo de Ivan Bam-Bam Zamorano, meia hora antes do juiz apitar o começo da partida. Todos de camisa do Brasssiiilll, bandanas, apitos, cornetas, sombreros, bandeiras... Abraçando Fernan Bam-Bam Zamorano, o que parecia líder da trupe disparou:
- Aí, gente: vamos cantar pros nossos anfitriões a melô da peleja, em cima daquela musiquinha da Globo!
E bola no filó:
- Ivan Bam-Bam / tem o jeito do Tchê! / Melhor Bam-Bam / que o senil Pinochet, / mas Ivan sem o calção, piu-piu... / Chileno é bimbinha. Brasssiiilll.
Apesar da brincadeira um tanto pesada, o dono da casa comoveu-se. Que turminha alegre! Trouxeram chapeuzinhos e adesivos pras crianças, além de um belíssimo buquê de crisântemos, ofertado a sua recatada esposa, dona Claridad. O cara com pinta de chefe subiu na mesa:
- Esse papo furado de rivalidade tem que acabar! Sejamos menos racionais e mais candomblé! Brasil e Chile são assim, ó, unha arrancada e carne pisada. Muita sujeira e covardia nas duas ditaduras. E nas Malvinas, nós torcemos por vocês, pô!
Bam-Bam tentou argumentar que as Malvinas, aliás Falklands, era assunto argentino.
- Esquece, malandro! Sul-americano é tudo o mesmo lumpen. Não foi com vocês mas poderia ter sido, é ou não é? E o papel da CIA, hein? Senora, que pasa? Fala alguma coisa, minha flor. Hii, rapaziada, ela tem o bumbum da Madona! Viva o bumbum do Bam-Bam! Cumé, cumé, cumé qui é?
Aplausos. Hurras. Uivos.
O dono da casa serviu-se de mais uma dose:
- Vocês são amigos de quem mesmo?
- Da onça. Brasssiiilll! De novo, com a musiquinha Globo, pessoal!
E ripa na chulipa, afinadíssimos:
- Eu sei que tô com a draga na mão, / tu abre o cofre ou vem o rabecão: / dólar, ouro, jóias e as ações. / Somos os Penta-Ladrões!
O pseudo-parente de Ivan Bam-Bam Zamorano, apesar de acostumado a uma briga de foice no escuro junto aos membros da Comissão de Orçamento, não resistiu ao assalto. Os foliões se mandaram, vieram os policiais. Também estavam uniformizados e um tanto de porre, só que mais confusos. Desatento aos rigorosos procedimentos da investigação - que lhe custaram um quadro, um isqueiro de ouro e peças íntimas de Dona Claridad - Fernan pensava em Dolores: o chefe da gangue, alto, barbudo, lembrava muito um ex-amante que Dolores encontrara no restaurante Antiquarius, depois de um mega-show no Metropolitan. Naquela noite, no motel Oásis, Dolores jurara, sobre seu peito, beijando os lindos dedinhos morenos em cruz, que era coisa sem importância, solamente una vez... Hipócrita, perdida, vadia, galinha, fê-da-pê.
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Depois de libertado das ligaduras verde-amarelas e da mordaça pintada com o perfil do Romário no corpo de um peixe, o porteiro do prédio, seu Zé, ex-candango, foi taxativo:
- Reconhecer, não reconheci ninguém, mas desde a construção de Brasília que eu não vejo ladrões tão animados!
Aldir Blanc