domingo, 17 de agosto de 2008

Singularidade: Samba Caymmi *

Singularidade:
Região do espaço-tempo na qual as conhecidas leis da física cessam de viger e a curvatura do espaço se torna infinita
.

(Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa – Ed. Objetiva /2001).

Samba Caymmi. Mais do que pentear palavras, vamos deixar a idéia derreter na boca, igual munguzá, amassar a mistura com a língua no palato e sorver o sumo goela abaixo em direção ao estômago e, como é natural, aos nervos e ao coração.

Os companheiros do Projeto Heranças – alguns detratores prefeririam a palavra cúmplices – resolveram incluir, no livro, um capítulo sobre “O samba Caymmi”.

Corruptos girolhos, antes de correrem pra pegar o cacau, lero-leroriam:

– Ah, vocês distorceram um pouco o argumento?

– Olha, o Ari Barroso era locutor esportivo e torcia descaradamente pelo Mengo. E daí? Outros locutores também torcem de morrer – só que não fizeram “Aquarela do Brasil”.

Fica estabelecido: o Dorival é que inventou o gênero “samba Caymmi”. A gente só está divulgando esse importantíssimo acontecimento pra música brasileira. Torcemos de coração pro Caymmi. Apresentem alguém que não seja Clube de Regatas Caymmi e retrucaremos, convictos:

– Ali vai um tremendo filho-da-puta.

Perguntar se existe o estilo de samba acima é como duvidar da existência do vatapá. O problema está na receita: um bocadinho mais de sensualidade, uma pitada generosa de preguiça da boa, sorrisos morenos da Dora, das Rosas e da Marina (no Brasil, as louras também são morenas), roupa branca em pele escura, brisa de mar, a ousadia das jangadas, ciúmes, dengos, uma vasta dose de sacanagem, rir como quem reza em trezentas e sessenta e cinco igrejas, rezar como quem trepa, trepar como quem dança, e não parar de mexer, ôi, com paciência de esperar, até ouvir a zoada do batuquejé, e harmonizar como o canoeiro bate a rede, cantar feito o vento no alto do coqueiral.

O samba Caymmi ensina que peixinhos de feira são a prata e o ouro de Iemanjá, com sua bata desabando no ombro, caindo pro peito bem feito como acaçá. Rimou.

O samba Caymmi fugiu num Ita do Norte, encontrou o samba Noel num buteco, pedindo uma boa média que não seja requentada, em companhia de Donga, Ismael e outros bambas. É ilusão, provavelmente à-toa, mas o samba não precisa dormir pra sonhar, a não ser que aconteça, de súbito, um requebrado pro lado, que é, paradoxalmente, o resumo do abraço e da divergência. Falando em resumo:

O bem do mar é o mar.

O bem do samba é o samba.

A verdade é que quem inventou o samba Caymmi não fui eu, não fui, nem ninguém. Você quer viajar no saveiro Caymmi, no mar do Projeto Heranças? Não parece tão complicado assim, né?

Então vá...

Aldir Blanc



* Publicado no livro Heranças do Samba de
Aldir Blanc, Hugo Sukman e Luiz Fernando Vianna

Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2004

2 comentários:

Anônimo disse...

Belíssimo texto, Aldir. Grande abraço.

Jarbas capusso Filho

http://uivoslatidosefuria.zip.net/index.html

Anônimo disse...

Olá, Aldir, li tua entrevista no blog "Botequim do Edu", me emocionei, pensei, sorri. Suas letras significam demais pra mim. Abraço da Diadorim


dia_dorim@hotmail.com