sábado, 15 de dezembro de 2007

ENFERMARIA

Baixei enfermaria: sinusite, rinite, otite, e outros ites. Não dá nem pra focar a tela do computa. Como é freqüente a pergunta “Qual é a melhor história de bar que conheço?”, aí vão as duas que considero campeãs.

Camões naufragou no Adônis


Nas tardes de verão, o Adônis enfrentava calmarias parecidas com as que jogaram Cabral em nossas praias. Um dos donos, o Sr. Arnaldo, saboreava um chope na companhia do Sr. Reis, proprietário da farmácia próxima, que também ficava a ver navios no mar da Zona Norte. Ambos eram portugueses e trocavam, igual figura carimbada, saudades da Terrinha. O Sr. Arnaldo, calmo e bonachão, ria-se muito, ao passo que o Sr. Reis emocionava-se violentamente com as conquistas ultramarinas, com as aventuras e feitos em África, às vezes até ferindo-se com os palitos do queijinho, como se flechas ou lanças o tivessem atingido traiçoeiramente.

Num desses amenos entardeceres cariocas, entre o estridular das cigarras e o bamboleio das suadas morenas regressando ao lar, o Sr. Reis deu um súbito e vigoroso soco na mesa.

- E na literatura, nós, os portugueses, temos o maior de todos! O Maior de Todos!

O Sr. José, garçom do estabelecimento, também lusitano, para profunda contrariedade do Sr. Arnaldo, estranhou:

- Tás a falar de quem, ó pá?

O Sr. Reis tornou-se arroxeado, sugerindo apoplexia a bombordo. Preocupado com a saúde do amigo e sabendo que o que mais dói na alma dos Vates é o esquecimento, o Sr. Arnaldo teve uma idéia que julgou salvadora. Improvisou com uma das mãos um tapa-olho, enquanto com a vista restante piscava para o garçom.

O Sr. José, de início, não compreendeu:

- É cisco? Pisca três vezes e reza uma Ave-Maria pra Santa Luzia.

A essa altura, os instrumentos de bordo prenunciavam tempestade da grossa. O Sr. Reis, sufocado, parecia um crepúsculo nos trópicos, tingido todo de violetas, púrpuras e lilases. Mas graças à Virgem de Fátima, o Sr. José abriu um vasto sorriso:

- Ah, entendi! Tapa-olho! É o Rum Montila!

O Sr. Reis caiu desmaiado.

Diante dos sonoros palavrões do Sr. Arnaldo, o Aureliano, natural de Feira de Santana, que guardava a caixa-registradora, balançou a cabeça:

- Seu Zé acertou de pura cagada, né? Com ele é assim: chuta e vai no alvo! Nem Vavá...


Ajuste fiscal*


Baiano, nosso ministro sem pasta pra sacanagem, deu o alerta:

- Frozô vai aparecer com material novo no pedaço.

Frozô, grande vascaíno e boêmio, cultivava o curioso hábito de exibir mulheres monumentais no buteco onde biritávamos, talvez pelo prazer sádico de nos deixar com água na boca. No mesmo buteco, fazia ponto um inimigo mortal do Frozô, o CQ (Come Quieto). Jamais entenderemos porque as mulheres dão pra certos caras!

CQ, tocava violão e cantava sambas com bastante sutileza, mas era baixinho, feio e sonso. Quando uma das mulheres do Frozô pedia “Toca alguma coisa pra gente”, CQ era todo modéstia:

- Mais tarde... mais tarde... aqui só tem cobra criada...

Frozô também odiava o fato de CQ ter vários Palitos de Ouro, não se sabe se ganhos honestamente em campeonatos de purrinha ou mandados fazer de vigarice.

E um dia, Frozô apareceu com uma criatura da gente se atirar aos pés dela pra beijar as sandálias douradas. O inusitado é que CQ, escroto como já dissemos, não a olhou uma única vez. Na hora de ir pra outro programa, Frozô contornou a mesa e tacou a mão no focinho do CQ com tanta força que o cara ficou desacordado. Diante da revolta geral, Frozô, com a tetéia recostada em seu amplo colo, justificou o corretivo:

- Pato muito quieto em lagoa tá a fim do cu da gansa.


*publicada originalmente na Revista do Tulípio n°4



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